segunda-feira, julho 22, 2019

Namorados Para Sempre?


         "Namorados Para Sempre" é o título nacional do filme “Blue Valentine”, o retrato de um relacionamento em desintegração. Acompanhamos a trajetória de Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling), antes e quando se conheceram, se amaram e fizeram seus planos de vida em comum.
         A maioria dos filmes concentra-se no início do relacionamento, na zona de conforto ou na separação, mas raramente se percebe onde o amor morreu. Blue Valentine revela o momento da morte.
         No início do filme, Cindy diz: “Como você pode confiar em seus sentimentos quando eles simplesmente desaparecem?”. Já se percebe a incompreensão do que significa “amar”. Ela era mais uma vítima da confusão entre paixão e amor. Em algum momento o sentimento mudará e se você não entender e acompanhar a variação, todo e qualquer relacionamento estará fadado ao fracasso.
         Por outro lado, Dean diz: “Conheço garotas que esperam o príncipe encantado e depois se casam com o cara que tem um bom emprego e não estará por perto”. 

         Sobre esse terreno visivelmente arenoso constrói-se uma espécie de amor à primeira vista da parte dele e o amor fundamentado na segurança que ela vê, pois está grávida. 
         O desgaste do tempo, da convivência, das expectativas frustradas, da ausência de diálogo, dos mal entendidos, se avoluma até que ele decide passar a noite num quarto temático de um motel. Ela não quer, mas resignada o acompanha. Eles não fazem amor, é uma relação sexual tensa e triste. O amor está morto. Ele ainda a ama, mas ela não sente mais a faísca arrasadora. Na verdade, ela parece que nunca o amou. Ela estava desesperada, grávida e temendo o futuro. E Dean, com seu jeito alegre e audacioso a abraçou. 

         A crise chega ao ponto de ruptura. Dean parecia ver o casamento como um cais, um lugar fixo, imóvel. Ele queria apenas “viver”, se contentava com pouco, se contentava com amar. Cindy parecia imaginá-lo como um navio em movimento. Ela queria crescer, conquistar, isso lhe transmitia segurança.
        
A canção "You Hurt The One You Love" pontua o enredo: 

Você sempre machuca aquele que ama
Aquele que você nunca deveria machucar
Você sempre pega a mais bela das rosas
E a esmaga até as pétalas caírem
Você sempre quebra o coração mais carinhoso
Com palavras impensadas que não se pode retirar
Então se eu quebrei seu coração ontem à noite
É porque eu te amo mais que tudo

         Não se trata de um filme agradável, divertido, mas de uma obra instigante, melancólica, que casais deveriam assistir para tentar evitar que o relacionamento chegasse ao ponto de ruptura. Num mundo de amor líquido é possível evitar o naufrágio? O filme não responde a essa pergunta, ele não se reveste de uma consulta ao terapeuta, mas de um obituário, e assisti-lo pode levar a reflexão e consequente ação em conjunto ou isoladamente.

quarta-feira, maio 08, 2019

Árvores Sagradas

            A maioria das crianças gostava de escalar árvores. Era parte da infância. Eu não. Leitor inveterado as árvores pareciam sagradas. Da árvore do Éden passando pelo arbusto em chamas que não se consumia de Moisés até inúmeras árvores da floresta de Sherwood de Robin Hood, eu sempre as vi sobre uma lente mágica.
            Florestas e bosques me dão a impressão de um santuário, um local onde é possível que os contos de fadas tornem-se realidade. Não freqüento bosques sagrados para adorá-los – como os israelitas fizeram, provocando a ira de Deus. Mas sinto que a ruptura radical provocou a extinção de algo: nós drenamos a luz dos ramos no bosque sagrado e aplainamos os lugares elevados, enxugamos os córregos sagrados. Saímos do panteísmo para o ateísmo. O resultado é que o mundo moderno despiu-se do encanto e o tédio fez morada no coração desocupado.
            No Brilhante tenho três árvores sagradas próximas a casa onde a minha mãe nasceu, cresceu e casou com meu pai. Quando era criança, nos finais de semana construí lentamente um relacionamento especial com uma delas. O grande tronco ocultava um menino sentado sozinho do outro lado usufruindo da sombra protetora e da antiga canção que suas folhas balançadas pelo vento entoavam.

            Mas o tempo passou e na juventude elas perderam um pouco do encanto porque o jovem movido pelos hormônios não mais prestava atenção as suas companheiras. Enquanto acumulava alguns bens o menino crescido se tornava mais e mais infeliz. Talvez quando as árvores o viam passar gritavam “volte para o Éden. Não deixe o menino morrer. A felicidade está no menino. A magia está nele”.
         As minhas filhas nasceram e o menino despertou lentamente, preguiçosamente, porque o mundo ainda precisava ser conquistado.
            Mas Deus se compadeceu e não o deixou acordar numa idade tão avançada que já não tivesse força e alegria para brincar. O menino despertou a tempo de ensinar as filhas a prestar atenção na magia do mundo à sua volta, na beleza incrustada nas coisas mais comuns, nos pequenos detalhes do dia a dia. 
            À sombra de uma das três árvores sagradas e vigiada pelas outras duas, uma das minhas filhas casou. Há alguns metros, há muitos anos, meus pais se casaram.
                Quando vou à fazenda recebo as “bênçãos” das três árvores. Ali converso com Deus, peço que os anjos levem alguns recados aos meus pais e, quando a noite desce, a brisa parece trazer suas vozes a mim.
                      Estas árvores me levam a um dos meus filmes preferidos, “A Árvore da Vida”. Um dos personagens deste filme diz: “A única maneira de ser feliz é amando. Se você não ama a vida passa rapidamente diante de seus olhos. Faça o bem. Admire. Acredite”.
            Se uma árvore parece um corpo humano, os olhos de um ser humano parecem estrelas, e estrelas espalhadas no céu assemelham-se a uma escala musical que por sua vez pode levar a uma hierarquia de anjos, e assim, ad infinitum, uma imagem leva a outra num movimento progressivo rumo a Origem de todas as coisas.
            Talvez, pensando nisso, o personagem interpretado por John Malkovich, no filme “Além das Nuvens” de Antonioni e Wenders, diz: “Sob a imagem que se revela há outra mais fiel a realidade. Abaixo dela está outra, e mais outra, até chegarmos a verdadeira imagem daquela realidade absoluta...”.
            Se o lado mal da condição humana veio à tona debaixo de uma árvore no jardim do Éden, o “final” da história nos conduz a árvore da vida.
            Enquanto a árvore da vida não chega, continuo visitando minha árvore sagrada. Ela tem um buraco no tronco. Quem sabe vejo um coelho apressado mergulhando num outro mundo ou encontro o Gato de Cheshire num dos seus galhos, porque Alice vem aí. E o mundo mágico de Deus movido por sua infinita graça e misericórdia se renova.


quarta-feira, maio 01, 2019

Crônica de Estrada


A moça sentada ao meu lado exalava um cheiro intenso de goma de mascar. No banco da frente uma mulher abria um pacote de salgadinhos espalhando mais um cheiro sintético e forte. Aliás, a rodoviária não é o que de melhor pode se encontrar nesse universo. Tive que sentar por lá por uns quarenta minutos, esperando o ônibus para Jaciara: distraí-me lendo John Updike, mas era difícil esquecer o forte cheiro de gordura das lanchonetes que proliferam por todos os lados. O que vão fazer as pessoas quando chegam à rodoviária uma hora antes da partida do ônibus? Você senta num lugar feio, pede alguma coisa engordurada e de má aparência e come; se tenta escapar disso, sentando em algum banco para ler, é perseguido pelo cheiro da fritura que permeia toda a rodoviária.
            Parece não haver escapatória: a rodoviária é o reino da feiura. Deveria ser um alívio entrar no ônibus. Mas o velho passatempo de comer marca presença: a mulher com o pacote de salgadinhos, crianças com pacotes de salgadinhos. É incompreensível o descaso de algumas pessoas com o seu cheiro. Não me refiro apenas ao odor do corpo, refiro-me ao cheiro do cigarro em suas roupas, o cheiro do que acabou de comer.
            Tentei trazer à baila minhas lembranças mais atraentes desse universo olfativo. Sempre fui muito atento à beleza dos aromas, não me adapto à média da humanidade que relega o sentido do olfato ao segundo plano. Fico admirado diante de pessoas que não possuem sensibilidade para aromas. Por um momento, fechei os olhos e mergulhei na lembrança daquele universo de cheiros: as flores espalhando seus aromas num fim de tarde; o paiol com o milho guardado, caminhar numa floresta sentindo o cheiro úmido exalando das árvores e folhas, o perfume da pessoa amada.
            Abro os olhos e estou de volta.
            Existe sempre um momento quando as conversas animadas já serenaram e as pessoas estão silenciosas, quando tudo que existe é o som do motor que parece vir de muito longe embalando o suave trepidar do ônibus. Sinto um admirável momento de suspensão da realidade: tudo parece onírico. Abro os olhos. Estão todos lá, parados. O universo todo parece estar parado, sem cheiros, sem sons outros que este murmurar distante. A moça ao lado parece dormir profundamente. Lá adiante, duas cabeças, apoiadas uma contra a outra. É o casal que estava à minha frente, sentado num banco, enquanto esperava na rodoviária. Uma jovem de rosto suave e delicado, um homem de mais de trinta anos, princípio de calvície no topo da cabeça.
            O reconhecimento traz de volta a realidade. O ônibus continua sua breve viagem de lugar nenhum para algum lugar.  
            Uma vez em casa aproveitei para rever velhos conhecidos. Certos filmes e livros são como bons vinhos, ou melhor, são como os grandes amigos dos quais podemos passar muitos anos distantes, e, no entanto, suas lembranças permanecem sempre atuais. Se disser que bebo vinho das uvas produzidas no morro dos ventos uivante, não digo mais do que as peculiaridades de se conhecer lugares e amigos importantes e interessantes, e por mais incompreensível que assim o diga, tudo resulta muito simples.
            Paro em frente a estante, pego um livro e folheio parando numa página grifada: “Revi-me com sete anos de idade, quando um colega de aula, indelicado, me anunciou que Papai Noel não existia. Caía o encantamento de um mundo. Cabia-me tentar, ao longo da vida, reencantá-lo com palavras e músicas, mulheres e amores. Irene foi essa mulher que reencantou o mundo perdido de uma infância, e também quem o fez desaparecer. Não houve a amargura que eu tinha imaginado; somente uma indiferença dolorosa”, escreveu Yves Simon em “O próximo amor”.
           Pego o dvd do filme “Bagdad Café” para rever. A primeira vez foi no tradicional “corujão”.

           O filme começa com a música “Calling You” na voz de Jevetta Steele. O observador mais perspicaz já consegue perceber que haverá mudanças, quando a canção diz: Uma brisa quente vem em minha direção… a mudança está se aproximando… chegue mais perto, doce libertação”.
         Essa “mudança” encarna-se numa “forasteira” que salta do carro do esposo que a maltrata e resolve seguir seu caminho sozinha. Ela chega ao Bagdad Café e após um choque inicial, consegue, valorizando seus semelhantes, conquistar os moradores daquele lugar abandonado. Pouco a pouco a espelunca adquire vida, o pequeno e sujo conjunto Bagdad Café torna-se um ponto de encontro de pessoas alegres, onde em meio a música, espetáculos de mágica, danças, conversas, sorrisos, relacionamentos são construídos e reconstruídos.

             Os personagens descobrem que as perdas podem libertar, que a magia do amor pode aparecer em qualquer lugar (até mesmo no meio do deserto) e que a felicidade, embora abstrata, germina quando se dá importância às pequenas coisas que alegram aqueles que nos rodeiam.            
             Depois dessa peregrinação entre rodoviária-livro-ônibus-casa-livro e cinema, tenho a impressão que a nossa jornada, aparentemente banal, oculta uma joia preciosa: “Não deixaremos de explorar e, ao término da nossa exploração deveremos chegar ao ponto de partida e conhecer esse lugar pela primeira vez” escreveu T. S. Eliot.

              Preciso rever alguns pontos da minha visão ciclope sobre a rodoviária.

            Por falar nisso, você está explorando a vida ou simplesmente passando por ela?

sábado, junho 13, 2015

A Minha Graça te Basta

       Deus levou o apóstolo Paulo a uma experiência transcendente (II Cor. 12:2-4), mas, em seguida, permitiu que ele caminhasse no vale da angústia para evitar que se imaginasse além da total dependência da Sua graça. 
            A palavra traduzida por “espinho” é impotente para transmitir as profundezas da expressão original utilizada pelo apóstolo Paulo: a palavra grega skolops – algo como empalar. No mundo antigo era uma das formas de punição de criminosos e traidores: fincavam um pedaço pontiagudo de madeira no chão, uma estaca, a ponta afiada era introduzida no indivíduo, e ali o condenado agonizava. Paulo usou essa imagem para descrever sua aflição. Algo dolorosamente pontiagudo.
            Paulo clamou ao Senhor, e a resposta veio de forma inesperada: “A minha graça te basta, o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (II Cor. 12:9a). Ele entendeu que o sofrimento era uma gigantesca oportunidade para o desenvolvimento do poder de Deus. O sofrimento sufoca o eu permitindo a expansão da inigualável força de Deus e, consequentemente, os músculos da fé são vigorosamente exercitados. Ao ganhar musculatura a fé ocupa espaços outrora vazios.
           O sofrimento não é um exercício apenas para os músculos da fé do sofredor, as pessoas que o circundam são compelidas a se mover intercedendo, por isso Tiago diz: “orai uns pelos outros”. E eu acrescento: “Para que a vossa fé não enferruje com orações voltadas somente para si mesmo”.

sábado, março 21, 2015

O Cristianismo É Para Todos?

O Cristianismo é para todos? Vivendo numa cultura que entroniza a tolerância sem reflexão, que relativiza a verdade para não desagradar o status quo, sou obrigado a dizer: Não, meus amigos, o Cristianismo não é para todos.

O Cristianismo não é para os orgulhosos que não admitem a própria fraqueza e dependência de Deus. Não é para os impenitentes, entregues a uma vida de luxúria, ganância e devassidão. Não é para os que não precisam de um médico. Não é para quem não precisa de perdão. Não é para os autossuficientes.

O Cristianismo é para os fracos e quebrantados. É para aqueles que estão morrendo lentamente e precisam de cura, misericórdia e graça. É para aqueles que tem sede de Deus. É para aqueles que anseiam por algo mais do que a matéria oferece.

Quem precisa de um médico que não lhe diga a verdade sobre a sua doença? O Cristianismo fala a dura verdade sobre o que somos e o que deveríamos ser. A imagem não é bonita. E o pior é que o estojo de maquiagem não é suficiente para alterá-la. Precisamos de algo mais. Precisamos de um Salvador.

No Cristianismo não há espaço para manipulações aconchegantes, mas a perturbadora verdade de que "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo. 3:16)

A mensagem não anestesia a consciência, mas a purifica; esmaga a autossuficiência revelando a impossibilidade de atingir o padrão divino.


O Cristianismo é uma mensagem dirigida a todos, mas, definitivamente, não é para todos. É preciso coragem para abandonar o Eu e humildade para se entregar a graciosa oferta de Deus.

quarta-feira, novembro 26, 2014

Botton e Sua Cela Dourada

Alain de Botton, no livro “Religião para ateus”, aspira vivenciar todos os elementos da vida religiosa, menos a devoção. Ele abre o livro afirmando que a “pergunta mais enfadonha e inútil que se pode fazer sobre qualquer religião é se ela é ou não verdadeira”. Botton celebra o self-service religioso com fins terapêuticos. Um filósofo desinteressado no alicerce do pensamento lógico? Será que nunca passou pela mente desse filósofo ateu que ao lutar em todas as frentes existenciais se confrontará com Deus em tudo? Botton nos convida a abraçar o seu pensamento irracional, enquanto ironiza a suposta não racionalidade da religião cristã.
Entristece-me a postura de Botton porque apesar de circular na alta cultura, ter uma vida rica e privilegiada, ele não sabe nada sobre a Verdade. Botton diz querer resgatar belos aspectos da religião cristã, mas antes precisa ser resgatado da sua cela dourada que lhe impediu de ver a sabedoria e profundidade do cristianismo. O cristianismo consegue falar a linguagem das pessoas mais simples, mas também consegue escalar a torre dos eruditos; e não se detém ali, está sempre um passo à frente do mais sábio dos homens. Não é toa que mentes excepcionais como Tomás de Aquino, Pascal, Kierkegaard, C. S. Lewis e inúmeros outros abraçaram o cristianismo.            
Botton me lembra do jovem peixe de uma historinha. Um velho peixe perguntou ao jovem peixe que nadava de um lado para o outro: “Como está a água?”. Após alguns instantes de silêncio, o peixe jovem disse: “O que é água?”.

terça-feira, novembro 18, 2014

O Regresso

No filme “O Regresso para Bountiful” (The Trip to Bountiful), de 1985, Geraldine Page interpreta Carrie Watts, uma idosa teimosa cujo maior desejo é voltar ao lar de sua infância - na pequena cidade de Bountiful, no estado do Texas - antes de se dirigir para a sua casa celestial. Já que o filho e a nora não atendem o seu pedido, ela resolve fugir de casa e embarcar num ônibus retornando a velha casa.
           
O hino “Manso e suave” (Softly and tenderly Jesus is calling) abre e fecha o filme. E durante a viagem Carrie canta mais um hino. Hollywood, hoje dominada por anticristãos, surpreendentemente não vetou a inserção desses hinos. 


Carrie consegue chegar à fazenda onde cresceu: a casa está em ruínas, os campos tomados pelo matagal, tudo está abandonado. Ela diz: “É estranho mas desde que cheguei aqui tenho a impressão que meu pai e minha mãe vão sair desta casa, saudar-me e me darem as boas vindas”.

Por que carregamos a estranha sensação de que aqui não é o nosso lar Por que uma pessoa bem sucedida financeiramente, sem problemas de saúde ou familiar, de repente sente um nó na garganta ansiando por um lugar que não sabe explicar muito bem?

O pintor Edouard Manet expôs em uma tela – The Bar at the Folies-Bergeres – uma interessante mensagem. Um restaurante atulhado de pessoas, lâmpadas que ressaltam o ambiente de euforia, garrafas de champanhe e vinho, frutas e, entre essa abundante visão de luxo e diversão, uma jovem de pulseira dourada e roupa sofisticada, cuja face exala uma melancolia inexaurível. O vazio está em todo lugar.

A Bíblia ensina que este mundo não é nossa casa, somos peregrinos e forasteiros, viajantes a caminho do nosso verdadeiro lar. Em tempos difíceis ou bons, ansiamos por algo mais. Fomos criados para avançar além dos limites estreitos deste mundo. Deus colocou o desejo da eternidade no coração do homem (Ec. 3:11). Esse anseio funciona como uma seta apontando o caminho para Deus. Não há vida independente de Deus.

“Sabemos que, se for destruída a temporária habitação terrena em que vivemos, temos da parte de Deus um edifício, uma casa eterna no céu, não construída por mãos humanas. Enquanto isso, gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação celestial [...] Pois, enquanto estamos nesta casa, gememos e nos angustiamos, porque não queremos ser despidos, mas revestidos da nossa habitação celestial, para que aquilo que é mortal seja absorvido pela vida" (II Cor. 5:1,2,4).

quarta-feira, novembro 12, 2014

O Céu Se Aproximava – A Orquestra Celestial

No dia 10 de novembro de 2014, Deus chamou a minha mãe ao paraíso.
Mãe, dona Irene ou, simplesmente, passarinho – as três palavras que eu utilizava quando me dirigia a ela. Exemplo de filha, irmã, esposa, mãe, avó e bisavó. Exemplo de mulher cristã. Num mundo de valores diluídos, a minha mãe foi uma sólida fortaleza dos valores cristãos. 

Ela pôde usar com dignidade as palavras do apóstolo Paulo: “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Agora me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda” (II Tm. 4:7,8).

Confesso que não encontro palavras, elas fogem apressadas reconhecendo a insuficiência das letras perante a dor. Então empresto o trecho que li para ela quando lhe entreguei o exemplar do meu livro “Náufragos da Fé”, onde comento a morte dos meus dois filhos e irmã:
“A principal mensagem de Jó 42, é que no final Deus corrigirá todas as injustiças. Algumas tristezas como a morte dos filhos de Jó, a morte dos meus filhos, da minha irmã, não são recuperadas nesta vida. Palavras de consolo não arrancam a dor que encontra solo fértil no coração. Mas no fim esta dor será absorvida pelo Criador do universo. Terei meus filhos e irmã de volta. E, se eu não acreditasse nisso, que eles estão neste momento, alegremente sorrindo, pulando e explorando novos mundos, adorando e gozando do privilégio de conviver face a face com o Criador deste fantástico universo - e que recepcionaram com alegria minha tia que sofria do mal de Alzenheimer, certamente já fizeram diversos passeios juntos e saborearam a culinária celeste, que não fica a dever a queijadinha e o doce de leite que ela fazia na fazenda – então eu não creria em coisa alguma e teria abandonado a fé cristã. [...]
A esperança cristã afirma que a tragédia da perda dos meus filhos e da minha irmã não é apenas uma fatalidade. Não é simplesmente o problema de um defeito genético, um pedaço de DNA estragado no caso deles, e não foi apenas um erro médico que ceifou a vida dela.
A esperança cristã afirma que estes acontecimentos fazem parte de uma trágica história; mas não pertence à tragédia a última palavra. A esperança cristã afirma que o DNA deteriorado e o erro médico não prevalecerão. Que um dia estaremos caminhando juntos novamente, sentaremos a mesma mesa como convidados especiais do grande e eterno Criador. [...] A esperança cristã diz que raiará o dia em que a efêmera vida de duas crianças e de uma jovem senhora, no planeta terra, brilhará pelos tempos com uma glória que não somos capazes de imaginar em nossos mais desvairados sonhos”.

Conforta-me saber que “Preciosa é aos olhos do Senhor a morte dos seus santos” (Sl. 116:15).

Ela voou. O céu está em festa. Aqui, a sua silhueta está desenhada na cama, na sua cadeira da sala de jantar ou da varanda, em cada milímetro da casa, em seus objetos e pertences.
A minha mãe dizia que a casa onde morava com meu pai era uma grande árvore, e todo dia, ao final da tarde, os pássaros – filhos, netos, bisnetos, nora, genros -, ali se reuniam. Sim. Ali é o nosso barulhento ninho.
O ninho perdeu o pássaro mãe. Mas o ninho coração dos familiares está cheio dos frutos que ela generosamente nos deu, alimentos que nos sustentarão até o dia no qual a abraçaremos novamente na presença de Deus.
Voa passarinho, Voa! Um dia voaremos juntos, eternamente!
*** *** ***
 “E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores, Querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo” (Ef. 4:11-12). Escrevo estas linhas para que familiares e amigos conheçam alguns detalhes da minha mãe, Irene, a amiga de Deus. A intimidade dela com Deus era algo especial. São experiências que devem ser compartilhadas “para edificação do corpo de Cristo”:

     1-     Quando Enaide, minha irmã, faleceu, a minha mãe ficou inconsolável. Chorava dia e noite, clamando para que Deus aliviasse a sua dor. Deus atendeu o seu pedido de uma forma especial: Numa bela noite, no quintal da casa, ela ouviu uma voz que dizia: “Não chores mais. Ela está bem”. E simultaneamente começou a ouvir cânticos que nem mesmo a melhor orquestra terrestre poderia executar. Cânticos celestiais. 

Para estudiosos, como James Hutton, a música ocupa uma posição singular “pois é a única arte praticada no céu e pelas criaturas sem pecado original”. Neste caso, “O ouvido humano não pode ouvir tal música, seja devido ao pecado original ou simplesmente por ser um órgão sujeito ao tempo e à morte. O que Campanella chama de molino vivo do eu abafa todos os sons celestiais. Em certos estados de êxtase, entretanto, alguns ouvidos puderam ouvir tal música”.
Um coral de anjos “dava uma canja” naquela noite em Jaciara. Aquela experiência espiritual estancou a fonte de lágrimas. Daquele dia em diante, apenas ocasionalmente, como é natural, as lembranças ainda provocavam lágrimas.

2-      Ela sonhou que meu filho nasceria com uma síndrome raríssima, do mesmo jeito que ela teve um filho (meu irmão) que morreu ainda bebê. Ela me chamou, quando minha esposa estava grávida, e disse: "Filho, Deus me mostrou que o seu filho nascerá assim..." e narrou o que viu. E assim aconteceu. 

3- Na sexta-feira da semana passada, a minha irmã Eliude dormiu com ela. Na madrugada, ela a chamou dizendo: “Você está ouvindo essa música linda?”. A minha irmã aguçou a audição, mas não conseguia escutar nada. A minha mãe continuou: “Coisa mais linda”. E, levantando o dedo indicador, reiterou: “Ouça”. 

Não tenho dúvidas que, mais uma vez, Deus afastou as cortinas permitindo que ela ouvisse a orquestra angelical. O céu se aproximava.
Dona Irene, mãe, passarinho, se foi no dia 10 de novembro de 2014. Estivemos do seu lado até o último suspiro e, como disse a minha tia Odilza: “Ela morreu como um passarinho”. Em silêncio, com a paz fixada em seu semblante. O anjo do Senhor afastou a cortina, o Céu chegou e ela enfim pode ver e ouvir a orquestra celestial que tanto a encantava. Seus olhos agora contemplam a glória de Deus.

quinta-feira, outubro 02, 2014

A Ponte É o Amor

No excelente romance, A Ponte de San Luis Rey, que foi adaptado para o cinema, o escritor Thornton Wilder narra um terrível acidente ocorrido numa pequena aldeia no Peru: uma ponte de cordas caiu quando cinco pessoas a atravessavam.
Um franciscano que ia atravessar a ponte testemunhou a tragédia. Em busca de respostas o monge pesquisa a vida das cinco vítimas. Por que aquelas pessoas? Por que não outras? Há um significado oculto na ordem das coisas? Ele descobre que cada uma delas estava trilhando o caminho da mudança de vida, da reconciliação. O amor os unia.
Wilder encerra o livro colocando na boca de uma personagem o triste lembrete de que em breve todos morrerão, e as lembranças daquelas cinco vidas terão deixado a terra; nós mesmos seremos amados por um tempo e depois esquecidos. Mas o amor é suficiente porque imortal. “A ponte é o amor, o único sobrevivente, o único significado”. 
Essa personagem vive em uma abadia cuidando dos pobres e doentes. Ela não procura respostas, ela vive além das respostas. Ela vive o amor derramado pelo Amor maior. Cidades, nações e indivíduos vêm e vão, mas o Amor permanece. A nossa vida não termina na morte. O amor retorna a sua Fonte Eterna.

“Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor. Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por ele vivamos. Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados... E vimos, e testificamos que o Pai enviou seu Filho para Salvador do mundo. Qualquer que confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus está nele, e ele em Deus. E nós conhecemos, e cremos no amor que Deus nos tem. Deus é amor; e quem está em amor está em Deus, e Deus nele” (I Jo. 4:8-10;14-16).

domingo, agosto 31, 2014

No Coração das Coisas

Sabemos que o mundo contém muitas coisas que não podemos enxergar a olho nu - células, átomos, moléculas, quarks. Mas essas coisas podem ser medidas através dos rastros que deixam no caminho.
            O cristão crê na realidade intangível. Ela não pode ser medida com os instrumentos que temos à disposição. Mas pode ser medida através dos rastros que deixa no caminho. A pergunta correta não é: “As ferramentas que possuímos podem demonstrar a realidade de Deus?”. Mas sim: “Existe mais do que nós podemos ver?”.
            A Bíblia sempre ensinou que no coração das coisas não há um mapa orientando a montagem de um quebra-cabeça; mas o mistério. Não levantamos as mãos e confessamos a ignorância, somos cobrados para adicionar o nosso limitado conhecimento à sabedoria coletiva. A aceitação do mistério é um ato não de resignação, mas de humildade.
            As perguntas são insubstanciais. Você não pode ver, tocar ou medir uma pergunta. Isso não acontece apenas com as perguntas; as nossas vidas são construídas sobre o intangível. Neste exato momento você está lendo marcas/traços/símbolos em uma página. Elas não invadem, fisicamente, o seu cérebro. No entanto, na interação entre os borrões de tinta na página e o seu cérebro, o entendimento é transmitido. O entendimento é tangível? O que mudou entre a página e o seu cérebro? Quanto de nossas vidas acontece nos indescritíveis espaços deste mundo? Quanto é transmitido no silêncio entre as notas de uma música?
            Quando eu aprendo algo novo, uma varredura pode detectar alterações fisiológicas no cérebro, mas a mudança não é detectável. Quando eu sinto emoção, você pode mapear as correntes elétricas no meu cérebro, mas o mapeamento pode apresentar o sentimento? Veja a história da tua vida. Onde você nasceu, onde você cresceu, como foi a sua infância, quais as pessoas mais importantes que você conheceu durante a sua vida? Você criará uma imagem de si mesmo para contar a sua história.
            Mas, onde essa história existe? Ela tem uma existência física ou se limita as sinapses dos neurônios em seu cérebro? A sua história existia antes que eu lhe perguntasse?
            Falamos de coisas que existem “entre” as pessoas. Existe um “entre”? Se existir, não habita no universo físico. O mundo é, por assim dizer, cheio de entidades não físicas que confundem o nosso entendimento. Quando nos acostumamos a reconhecer o que não podemos ver, a noção sobre Deus parece menos estranha. Coisas não físicas são reais. As nossas vidas gravitam sobre coisas reais que são não materiais: ideias, emoções, beleza, imaginação, memórias, relacionamentos, intuições, alegrias, tristezas, sofrimento, amor e fé.
            Acreditar apenas no que vemos é submeter-se a uma cegueira voluntária. Seguir esse princípio limitaria a tal ponto a convivência com as demais pessoas que, poderíamos dizer, nos tornaria invisíveis na esfera existencial.
      Se reconhecermos as limitações do nosso conhecimento, o ateísmo é a confissão de uma ilusão indefensável.
            O cristão se rende a evidência: há muito mais do que podemos ver, há uma realidade não física, uma realidade maior. Se nós, criaturas com corpos que se movimentam em um mundo físico, somos tão dependentes de coisas que não podemos ver, por que os ateus consideram que Deus é uma ilusão improvável?
           Na verdade a fé retira as escamas dos olhos espirituais para que possamos vislumbrar as mãos de Deus manejando o dia a dia:O coração do homem planeja o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os passos” (Pv. 16:9).

(Trecho extraído do livro Relíquias de Uma Terra Estranha © de Samuel Rezende - previsão de lançamento primeiro semestre de 2015)

quarta-feira, abril 09, 2014

Aos Amigos de Longa Data do Blog - Os Livros Estão à Porta


Quando eu era um bebê, fiquei doente, estive à beira da morte; e em uma pequena fazenda rodeada por montanhas, os meus pais fizeram um voto a Deus: se Ele preservasse a minha vida, eu seria pastor.

Hoje, penso em como Deus recebeu essa oração. Nunca me senti vocacionado para o sacerdócio. Sendo uma pessoa extremamente tímida, teria enorme dificuldade para criar laços com os paroquianos. Mal consigo criar vínculos com os vizinhos.

Mas, em muitos momentos da minha vida, senti um anzol de pesca enfiado em minha boca. O Pescador celestial puxando-me para perto de si.

Talvez daí tenha surgido o escritor de livros voltados para o universo cristão.

Deus aceitará esse remanejamento? De pastor para escritor? Eu oro pedindo que sim, confiando que a alteração faça parte do que Ele projetou para a minha vida. 
Pela primeira vez, os pensamentos que se tornaram frases anotadas, reviradas e refinadas, estão livres.

Podem gerar debates, provocar reflexões, ser um instrumento nas mãos de Deus. É uma sensação estranha e maravilhosa.

Dentro de 30 a 40 dias os livros estarão disponíveis. Informarei, como e onde adquiri-los.
Na Estação Noturna eu fui alimentado por diversos amigos. Vocês não imaginam a importância de cada
comentário, palavras de incentivo e apoio, nas quais me escorei durante todo esse tempo. Muitos blogs deixaram de existir, muitos amigos não sei por onde andam. Meus agradecimentos a Vilma, Caio, Edson, Vitor e Marlene. Eles representam todos vocês que caminharam e caminham por esta Estação.

A página dos livros no Facebook, onde serão disponibilizados alguns fragmentos das obras:
https://www.facebook.com/pages/Livros-de-Samuel-Rezende/1390903567796874?ref=hl

segunda-feira, março 31, 2014

O Envelhecimento do Mundo

"Certa feita Agostinho disse que não deveríamos ficar surpresos ao presenciar um mundo cambaleante, porque o mundo estava ficando velho. O mundo pode ser comparado a um homem que nasce, cresce, envelhece e morre. A velhice carrega tremores, tosse, perda da visão, surdez, cansaço. Mas não há motivos para temer, Cristo surgiu trazendo a eterna juventude, tanto para nós, individualmente, como para o mundo" ("Um Grito de Ausência" © de Samuel Rezende)

sexta-feira, fevereiro 21, 2014

No Palco

Refletindo no interessante post da Vilma: "Este mundo em que vivemos, não é o lugar dos vivos. Aqui, é o lugar dos que morrem. Nós começamos a morrer a partir do momento em que nascemos e as nossas vidas são um caminhar em direcção à morte. Mas os que crêem em Jesus Cristo, sabem que quando vem a morte, entramos no mundo dos vivos! Não estamos a caminho da nossa morte. Estamos a caminho da vida!"


Imaginemos a vida como o palco de um teatro, imagem incansavelmente usada por dramaturgos.

Ao nascer a cortina se abre ou se fecha? Ao morrer a cortina se fecha ou se abre?

Preste atenção, a Vilma aponta a resposta.

terça-feira, fevereiro 18, 2014

Vida em Ruínas

É da própria natureza do pecado escravizar os que flertam com ele. Peque uma vez, e ainda conseguirá olhar de fora da janela e dizer: não entrarei aí novamente. Mas continue a pecar e se sentirá “em casa”. Não conseguirá mais olhar de fora para dentro. A disposição da alma, uma vez alterada, enxergará aquela casa em ruínas como um lar confortável. Questionado sobre a chuva dirá que é hora do banho; sobre a ausência de teto dirá que isso permite a visão de nuvens, estrelas, sol e lua; sobre a arquitetura dirá que reflete o relativismo pós-moderno nas paredes aos pedaços; a ausência de móveis dirá que representa a amplidão do espaço que reverbera em sua mente e assim, com um amontoado de desculpas, irá se auto destruindo e, infelizmente, atingindo todos os que estão à sua volta. 
(© Samuel Rezende, Relíquias de Uma Terra Estranha)