sexta-feira, outubro 14, 2011

Um Ninho

Em “Pollyana”, romance de Eleanor H. Porter, a tia da menina Pollyana traça uma seqüência de “obrigações” com as quais a garotinha deve “ocupar” seu tempo. E Pollyana protesta porque, com tantas “obrigações”, não sobrará tempo para viver. A tia, uma mulher prática e sensata, retruca: “Claro que você terá tempo de viver. Estará vivendo enquanto faz todas essas coisas, oras”. A menina, muito perspicaz, observa: “Não, tia Polly. Eu estarei respirando o tempo todo, e não vivendo”.
            A vida que o mundo valoriza não é a vida que eu amo, aquela na qual anseio estar imerso. Ler, escrever, ficar perto das pessoas que amo, assistir um filme, orar, ouvir música.
            Vivi seguindo trilhas, perseguindo pistas, rastros, entrando em atalhos, dando voltas inúteis, abrindo mapas, lendo placas adiante nas encruzilhadas. Hoje, gosto de me perder nos lugares, gosto da sensação de não reconhecer nada e depois começar a reconhecer o que tinha esquecido.
            Agora estou perdido nesses corredores cheios de avenidas, estradas, vias auxiliares e acostamentos. Estou aturdido com tantas possibilidades, tanta vaga para estacionar, que ainda não saí do lugar, o motor não roncou, não soltei o freio de mão, não virei a chave, não dei a partida.
            O que sei é que passei muito tempo na garagem, trancado com os vidros fechados, numa espécie de cativeiro voluntário. Agora quero estar acelerando numa estrada, parando no acostamento, para observar um ninho de pássaro.
O cristianismo não é uma religião do templo, embora durante a história ele tenha prevalecido. Mas o Deus no qual acreditamos, é o Deus que está em todos os lugares.
                                    A poetisa Wislawa Szymborska escreveu:
Tenho céu atrás de mim, sob as mãos
E debaixo das pálpebras.
Estou enredada de céu
E isto me exalta.
Partes poeirentas, líquidas, montanhosas,
Passageiras e queimadas do céu, migalhas do céu,
Brisas de céu e montes.
O céu é onipresente
Até nas trevas sob a pele
            O poeta Gerald Manley Hopkins se encantava com um arco-íris, uma ninhada de ovos de tordo era “um pequeno e baixo céu”, a ferradura de um cavalo era uma “sandália brilhante e destruída”, o mundo era um torvelinho divino e Deus o símbolo da exuberância eterna.
            A Terra não seria uma espécie de grande ninho onde se aconchegam várias espécies? ©

Um comentário:

Ana Maria Ribas disse...

A capacidade de nos maravilharmos com o mundo é uma forma de estar em sintonia com Deus. Lendo o seu post este sábado ficou mais interessante de ser vivido. Acho que troquei a lente. Um abraço!