A maioria das crianças gostava de
escalar árvores. Era parte da infância. Eu não. Leitor inveterado as árvores
pareciam sagradas. Da árvore do Éden passando pelo arbusto em chamas que não se
consumia de Moisés até inúmeras árvores da floresta de Sherwood de Robin Hood, eu
sempre as vi sobre uma lente mágica.
Florestas e bosques me dão a impressão
de um santuário, um local onde é possível que os contos de fadas tornem-se
realidade. Não freqüento bosques sagrados para adorá-los – como os israelitas
fizeram, provocando a ira de Deus. Mas sinto que a ruptura radical provocou a
extinção de algo: nós drenamos a luz dos ramos no bosque sagrado e aplainamos
os lugares elevados, enxugamos os córregos sagrados. Saímos do panteísmo para o
ateísmo. O resultado é que o mundo moderno despiu-se do encanto e o tédio fez
morada no coração desocupado.
No Brilhante
tenho três árvores sagradas próximas a casa onde a minha mãe nasceu, cresceu e
casou com meu pai. Quando era criança, nos finais de semana construí lentamente
um relacionamento especial com uma delas. O grande tronco ocultava um menino
sentado sozinho do outro lado usufruindo da sombra protetora e da antiga canção
que suas folhas balançadas pelo vento entoavam.
Mas o tempo
passou e na juventude elas perderam um pouco do encanto porque o jovem movido
pelos hormônios não mais prestava atenção as suas companheiras. Enquanto
acumulava alguns bens o menino crescido se tornava mais e mais infeliz. Talvez
quando as árvores o viam passar gritavam “volte para o Éden. Não deixe o menino
morrer. A felicidade está no menino. A magia está nele”.
As minhas
filhas nasceram e o menino despertou lentamente, preguiçosamente, porque o
mundo ainda precisava ser conquistado.
Mas Deus se
compadeceu e não o deixou acordar numa idade tão avançada que já não tivesse
força e alegria para brincar. O menino despertou a tempo de ensinar as filhas a
prestar atenção na magia do mundo à sua volta, na beleza incrustada nas coisas
mais comuns, nos pequenos detalhes do dia a dia.
À sombra de
uma das três árvores sagradas e vigiada pelas outras duas, uma das minhas
filhas casou. Há alguns metros, há muitos anos, meus pais se casaram.
Quando
vou à fazenda recebo as “bênçãos” das três árvores. Ali converso com Deus, peço
que os anjos levem alguns recados aos meus pais e, quando a noite desce, a
brisa parece trazer suas vozes a mim.
Estas árvores me levam a
um dos meus filmes preferidos, “A Árvore da Vida”. Um dos personagens deste
filme diz: “A única maneira de ser feliz é amando. Se você não ama a vida passa
rapidamente diante de seus olhos. Faça o bem. Admire. Acredite”.
Se
uma árvore parece um corpo humano, os olhos de um ser humano parecem estrelas,
e estrelas espalhadas no céu assemelham-se a uma escala musical que por sua vez
pode levar a uma hierarquia de anjos, e assim, ad infinitum, uma imagem leva a
outra num movimento progressivo rumo a Origem de todas as coisas.
Talvez, pensando nisso, o
personagem interpretado por John Malkovich, no filme “Além das Nuvens” de
Antonioni e Wenders, diz: “Sob a imagem que se revela há outra mais fiel a
realidade. Abaixo dela está outra, e mais outra, até chegarmos a verdadeira
imagem daquela realidade absoluta...”.
Se o lado mal da condição humana veio
à tona debaixo de uma árvore no jardim do Éden, o “final” da história nos
conduz a árvore da vida.
Enquanto a árvore da vida não chega, continuo visitando minha árvore sagrada. Ela tem um buraco no tronco.
Quem sabe vejo um coelho apressado mergulhando num outro mundo ou encontro o
Gato de Cheshire num dos seus galhos, porque Alice vem aí. E o mundo mágico de
Deus movido por sua infinita graça e misericórdia se renova.
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