domingo, janeiro 26, 2014

Tudo Está Perdido?

         Após mergulhar na imensidão do espaço e sair deslumbrado da sessão do filme Gravidade (Gravity), foi a vez de experimentar a vastidão do mar no filme “Al Is Lost". Ambos, espaço e mar são insondáveis. Ambos mexem profundamente com o ser humano. Por que um filme com apenas um ator (Robert Redford) e pouquíssimas palavras consegue penetrar no recôndito do nosso coração? A mania de fazer associações levou-me ao solitário Santiago do romance “O Velho e o Mar” de Ernest Hemingway, mas enquanto o velho do livro destila pensamentos em doses consideráveis, o personagem do filme é silêncio e ação.
            Aquele homem solitário, sem vida pregressa, lutando para sobreviver no meio de uma tempestade em alto mar, no veleiro avariado ou na fragilidade do bote, merece uma reflexão profunda.
Por que aquele homem sem história - não sabemos quem é, quais são os seus familiares, a sua história de vida - está naquele veleiro? Aquele personagem sou eu, é você. Aquele homem nos representa.  Do conforto do veleiro a tempestade em alto mar. A nossa vida não é assim? Por quê? O que devo fazer nessas horas? A arrepiante cena final responde a as indagações.

Após assistir, pela segunda vez, o tenso All is Lost (Tudo está perdido), filme com final aberto a diversas interpretações – pessimista, otimista (materialista) e espiritual (a minha esposa foi a que mergulhou mais fundo na interpretação espiritual), lembrei-me do conto do Stephen Crane, de um livro que “desapareceu” após emprestá-lo. Ainda bem que hoje temos o Google. 
Crane, ele próprio vítima de um naufrágio, escreve aquela que poderia ser a abertura dos filmes que mostram a fúria da natureza contra as embarcações: “Uma particular desvantagem do mar reside no fato de, após ultrapassar com sucesso uma onda, descobrirmos que atrás dela vem uma outra tão importante e tão nervosamente ansiosa por provocar inundações em barcos... Uma noite passada no mar num barco aberto é uma longa noite. Quando a escuridão por fim se instalou, o brilho da luz, erguendo-se ao sul do mar, mudou para um intenso dourado. No horizonte norte surgiu uma nova luz, um lampejo azulado ao fundo das águas. Estas duas luzes eram a mobília do mundo. De resto, nada mais que ondas”.
Num tom irônico, certa vez Crane observou: “Um homem disse ao universo: ‘Senhor, eu existo!’. ‘Todavia’, respondeu o universo, ‘o fato não criou em mim um sentimento de obrigação’".
Contrariando o angustiado Crane, Jesus disse: “Não se vendem cinco pardais por duas moedinhas? Contudo, nenhum deles é esquecido por Deus. Até os cabelos da cabeça de vocês estão todos contados. Não tenham medo; vocês valem mais do que muitos pardais!" (Lc. 12:6,7). 
Tudo está perdido? O lembrete de Jesus faz toda a diferença.

segunda-feira, janeiro 20, 2014

Na Lama ou Na Maravilha dos Nossos Dias?

Uma lenda rabínica fala de dois homens que experimentaram a divisão do mar vermelho, mas jamais olhavam ao redor. Acima havia uma magnífica coluna de fogo protegendo-os do exército egípcio. De cada lado havia uma resistente parede de água. Mas estes dois homens, Rubens e Simão, não conseguiam notar os milagres que aconteciam ao redor, porque estavam olhando para os seus pés se arrastando no meio da lama, e conversavam entre si:
- Eu não posso acreditar que estão nos forçando a caminhar neste lamaçal.
- É como a lama que usamos para fazer tijolos para o faraó!
- Sim, é. Durante toda a nossa vida estivemos envolvidos com esta terrível lama.
- Escravidão e liberdade é a mesma coisa, não é? Nada além de lama, como podemos ver.
         Às vezes me flagro reclamando da lama em vez de desfrutar das maravilhas que estão ao meu redor.

quarta-feira, janeiro 08, 2014

A Religião É Uma Muleta?

            Os céticos costumam dizer que a religião é uma muleta. Ora, se a religião é uma muleta, qualquer coisa serve como muleta, então o problema não reside na religião, mas no indivíduo.
            O mais estranho é o indivíduo, sofredor por excelência, buscar consolo em algo que exige mais do que é capaz de suportar, levando o escritor Tolstói ao desespero: “Não julguem os santos ideais de Deus pela minha incapacidade de alcançá-los. Não julguem Cristo por aqueles de nós que imperfeitamente usam o seu nome... Se conheço o caminho para casa e estou andando por ele como um bêbado, ele não deixa de ser o caminho certo apenas porque estou cambaleando de um lado para outro! Se não é o caminho certo, então me mostre outro caminho; mas se cambaleio e perco o caminho, você deve ajudar-me, você deve manter-me no caminho verdadeiro, exatamente como estou pronto a apoiar você. Não me desencaminhe, não se alegre porque me perdi, não grite de alegria: ‘Vejam-no! Ele disse que está indo para casa, mas ali está ele rastejando em um atoleiro’. Não, não se regozije com o meu erro, mas me dê a sua ajuda e o seu apoio”.
         A religião cristã transfere ao indivíduo a responsabilidade por seus atos e consequências. Nesse caso, o melhor consolo para o indivíduo seriam as respostas psicológicas, sociológicas ou científicas que costumam transferir a “outros” a responsabilidade individual. A crença no gene egoísta é consolo para fracos. Transfere-se para os genes a responsabilidade que deveria ser do indivíduo.
            Mas, consideremos que a birra dos céticos encontre escoadouro: a religião é uma muleta. A muleta de Adão. A raça humana caminha com um coxear agonizante. Por isso, cada um arrasta o seu velho Adão para fora da cama, escova os dentes, toma banho, faz ele se vestir, coloca os sapatos em seus pés e vai manquitolando para a igreja.
          Espera-se que se continuar arrastando o velho Adão à igreja, ele, eventualmente, poderá tornar-se um cristão. E se ele se tornar um cristão – quem sabe? – talvez com o tempo tornar-se-á um espécime raro, aprenderá a caminhar corretamente, ainda que tropece de vez em quando.
       Triste não é usar a muleta que está à disposição, triste é preferir rastejar imaginando caminhar elegantemente. 
(Trecho do livro "Um Grito de Ausência" © de Samuel Rezende)